A hiperconexão de sistemas se tornou uma condição inevitável no mundo. Para a engenharia, ela pode ser a chave para a criação de novos produtos.
Imagine que você é alguém que tem trabalhado muito ultimamente. De repente, decide tirar uns dias de férias com a família. Você planejou tudo em questão de segundos e alugou o local com antecedência. Os próximos dias prometem
O que você não sabe é que no primeiro dia, a internet, o sinal de rádio, os canais de televisão e todas as outras formas de contato se desligarão no mundo inteiro.
Para piorar, um estranho bate na porta da sua casa a meia noite com sua filha, afirmando ser o dono da residência que você alugou e implorando para pousar no quarto do porão, até que o que ele chama de blecaute acabe no centro da cidade. Visando preservar a vida de sua família, você aceitaria ou você recusaria?
É assim que começa o filme O Mundo Depois de Nós. Um filme cheio de suspense, que retrata questões da vida em sociedade no mundo contemporâneo e os perigos que as tecnologias hiperconectadas carregam com relação a segurança e bem estar social.
O filme narra a história de uma mãe, que está apenas desejando um momento de paz com a sua família, longe da barulhenta realidade da cidade conectada. Mas que acaba por enfrentar a maior crise da história desde então: o desligamento dos satélites e a desestabilização mundial.
Embora fictício, o filme traz á tona a necessidade de reflexão sobre sistemas hiperconectados. Por isso, neste artigo irei abordar em quatro quatro tópicos, as suas características, seus riscos e suas oportunidades.
O que é um sistema hiperconectado?
Ainda não existe um significado padrão para o termo “hiperconexão”, porém até o momento, ele é a definição da maneira como toda a comunicação é feita através da internet, seja de pessoa para pessoa (P2P), seja de pessoa para máquina (H2M) ou de máquina para máquina (M2M).
Portanto, um sistema com hiperconexão se trata de um sistema completamente conectado à internet e a milhares de outros sistemas por meio de IoT, que é capaz de receber, processar e enviar dados ou comandos inteligentes.
Logo, dentro deste sistema, é possível que apenas uma pessoa do outro lado do mundo consiga, através de um computador conectado à internet, controlar todo um grupo de máquinas conectadas.
No entanto, esta realidade um pouco assustadora, levanta um problema ainda maior: a vulnerabilidade diante de hackers mal intencionados.
Com a invasão do sistema por um criminoso ou um grupo deles, as consequências podem ser avassaladoras, a nível mundial.
Sendo assim, quero deixar alguns insights valiosos inspirados no filme, que na minha opinião, apresenta nuances muito importantes sobre as consequências de um ciberataque em sistemas hiperconectados.
Quais os efeitos de um ciberataque em sistemas com hiperconexão?
Abaixo, eu cito aquelas que considero as principais das consequências de um ciberataque em sistemas de hiperconexão.
Sistemas de Inteligência Artificial descontrolados
Sistemas descontrolados são muito bem representados no filme, em duas cenas. Uma onde um drone joga milhares de bilhetes ofensivos sobre a rodovia e outra onde milhares de carros da Tesla se chocam bloqueando as estradas.
Nos últimos anos, iniciaram-se muitos debates e pesquisas sobre a confiabilidade das IAs espalhadas ao redor do mundo, principalmente com relação àquelas que estão sendo desenvolvidas e usadas para combates militares.
Atualmente, já existem drones de destruição em massa e auto-dirigíveis, os quais por meio de Machine Learning, podem decidir assassinar um ser humano, mesmo sem um comando prévio.
Um assunto que como profissional da engenharia, você deve prestar atenção e também contribuir com pesquisas e testes de protótipos.
Bloqueio dos sistemas de comunicação e transporte
Comunicação e transporte são dois temas muito ensinados na disciplina de geografia, porém, largamente ignorados pela maioria. Mesmo assim, são extremamente essenciais para que uma sociedade consiga manter-se em funcionamento.
Sem transporte, praticamente todo o insumo necessário para fazer com que as fábricas criem os produtos é inviabilizado e também todos os supermercados e centros de distribuição se tornam incapazes de entregar estes produtos, principalmente aqueles indispensáveis para nossa sobrevivência, como os alimentícios, farmacêuticos e de higiene.
E sem comunicação, é como se ninguém estivesse mais no comando, já que não há como buscar abrigo, proteção e suprimentos nos sistemas projetados para este fim, como os órgãos de segurança, de defesa militar e os hospitais.
Além disso, em sistemas baseados em tecnologias frágeis, basta derrubar um sistema maior, que você desliga todos os demais.
Criação e uso de armas biológicas
No filme, uma arma supersônica causa periodicamente um zumbido perturbador nos ouvidos das pessoas, à nível global, com objetivo de desestabilizar emocionalmente a sociedade.
Como exemplo, posso citar a pesquisa da Collaborations Pharmaceuticals, que já mencionei em outro artigo, sobre o uso de programação avançada, Machine Learning e Inteligência Artificial para detecção e criação de armas biológicas letais.
Guerra civil
Quando uma sociedade está desestabilizada física e emocionalmente, sem acesso à comunicação, saúde e segurança, abrem-se as portas para que as pessoas comecem a entrar em conflito entre si, em busca da sobrevivência.
Com relação a isso, existem muitos exemplos de conflitos sociais, civis e militares, impulsionados a partir dos trabalhos de hackers ao redor do mundo, como por exemplo, os ataques cibernéticos constantes da Rússia contra a Ucrânia que se iniciaram no ano de 2007, se fortaleceram entre os anos 2014 e 2015 e estão em percurso.
Tal cenário entre os dois países é considerado por alguns especialistas, como a crise de segurança de maior relevância desde a Guerra Fria. Pois, é retratado como o maior exemplo de um tipo de conflito que une estratégias militares, políticas, de comunicação e de cibersegurança, para alcançar os objetivos de um determinado Estado no território de seu adversário: a “guerra híbrida”.
Embora pareça que um engenheiro não precise ter um olhar sobre estas questões, ficando apenas com a parte técnica, o projeto e os cálculos, não é este o perfil do engenheiro do futuro.
O engenheiro da próxima era precisa ter uma visão global de eventos e os sistemas envolvidos nele, para criar soluções inovadoras, que não apenas são uma melhoria, mas uma real mudança de paradigmas.
Quais os perigos dos sistemas de logística e comunicação hiperconectados?
A hiperconexão é a espinha dorsal da Indústria 4.0, permitindo fluxos de dados contínuos e processos decisórios automatizados em tempo real. Contudo, à medida que os sistemas logísticos e de comunicação se tornam mais conectados através de IoT e IA, novos riscos emergem, ameaçando a segurança e a confiabilidade das indústrias.
Vulnerabilidades cibernéticas e ataques hackers
Sistemas de gestão de transporte (TMS), redes de sensores IoT e plataformas de monitoramento em nuvem são alvos de ransomware, espionagem industrial e ataques de negação de serviço (DDoS). Empresas que negligenciam protocolos de cibersegurança correm o risco de paralisação operacional, vazamento de dados e prejuízos financeiros em massa.
Falhas sistêmicas de hiperconexão e efeito cascata
Um erro de comunicação em uma plataforma logística desencadeia atrasos, bloqueando operações inteiras, como por exemplo, o colapso temporário da cadeia de suprimentos global devido ao bloqueio do Canal de Suez em 2021, onde uma falha central trouxe um prejuízo na faixa dos bilhões de dólares ao comércio mundial.
Dependência excessiva de automação e IA
Uma IA treinada com dados incorretos prioriza rotas inadequadas, sobrecarrega fornecedores e cria gargalos inesperados. Além disso, a falta de operadores humanos experientes para intervir nesses eventos ajuda a amplificar o problema.
Privacidade e uso indevido de dados
Sistemas de hiperconexão coletam e compartilham um volume imenso de dados, desde informações de rastreamento até padrões de consumo. O mau uso desses dados resulta em espionagem corporativa, violações regulatórias (como GDPR e LGPD) e perda de confiança do mercado.
Interrupções por fatores externos
Eventos geopolíticos, desastres naturais e pandemias tem um impacto negativo em sistemas hiperconectados. A pandemia de COVID-19 expôs essa fragilidade, onde a escassez de componentes eletrônicos, causada por lockdowns em países-chave, afetou setores inteiros, desde a fabricação de automóveis até a produção de eletrônicos.
A hiperconexão é um caminho sem volta, mas sua implementação deve ser acompanhada por uma abordagem robusta de gestão de riscos. Empresas que não investirem em cibersegurança, monitoramento contínuo e protocolos de resiliência podem transformar seus sistemas hiperconectados em vulnerabilidades críticas.
A sociedade hiperconectada e suas consequências
O temperamento ansioso, descontrolado e pessimista da sociedade atual, talvez faça você pensar que está vivendo uma simulação, mas não. Tudo isso é real!
Ainda que a ficção retrate muito bem os problemas de saúde mental, causados pelo excesso de trabalho e a dependência das novas tecnologias, como no filme O Mundo Depois de Nós, nada se compara com a análise que você mesmo pode fazer das pessoas ao seu redor.
Sistemas hiperconectados com tecnologia de ponta, estão constantemente exigindo respostas rápidas e soluções fáceis para problemas complexos, alimentando o “monstro” da ansiedade e depressão no mundo inteiro.
Como mostra a pesquisa da Fishbowl, plataforma da Glassdoor, cerca de 54% dos participantes afirmam que não conseguem ou sentem dificuldade em se desconectar do trabalho, mesmo estando em seu momento de férias.
Os motivos que levam a esse comportamento incluem a cultura do Always On (Sempre Conectado) e o medo de sofrer algum prejuízo na carreira profissional.
São profissionais que temem que ao voltar do período de férias, possam sofrer algum tipo de ameaça da liderança por não estarem disponíveis em momentos de urgência e assim serem penalizados de alguma forma.
A pressão constante somada à tendência de estar sempre conectado leva a consequências no relacionamento destes com amigos e familiares como: irritabilidade, isolamento, falta de comunicação e falta de prazer em tarefas cotidianas.
A dependência social por hiperconexão
É uma sociedade completamente dependente de sistemas de tecnologia e grupos de pessoas, onde todas as partes que a compõem estão interligadas, para o alcance de objetivos específicos.
Nesta sociedade, não existe privacidade, nem independência. Para que uma pessoa possa ganhar de um lado, outra precisa ceder do outro.
Você pode perceber isso no seu dia a dia, quando você pede um lanche pelo app Ifood ou AiQueFome. O restaurante cadastrado depende do seu pedido para sobreviver e você depende da entrega de comida para matar sua fome.
Para que este sistema pare de funcionar, basta que todos comecem a cozinhar sua própria comida e as empresas parem de coagir as pessoas com anúncios publicitários. Mas na prática, acredito que isso não irá ocorrer. O sistema com hiperconexão veio para ficar.
O que poucos percebem é que este sistema possui grandes fragilidades, as quais se refletem na saúde mental, no comportamento e na dependência não apenas de usuários em si, mas também de instituições e empresas.
A dependência estrutural de sistemas estrangeiros
Praticamente, toda a economia atual se baseia neste grande sistema com hiperconexão, que está ligado a todo um sistema maior para funcionar corretamente.
Como por exemplo, é o caso das universidades. Segundo pesquisa do Observatório de Educação Vigiada, cerca de 79% das universidades públicas de ensino superior do Brasil têm a sua base de e-mails hospedadas em servidores fora do país.
Deste total, 72% dos e-mails são gerenciados pelo Google, o maior player do mercado digital.
Logo, bastaria que você encontrasse vulnerabilidades nesses servidores para invadi-los e roubar dados de quase todas as universidades do país ou até mesmo fazê-los desaparecer.
Um ataque cibernético desta magnitude, causaria impactos sem precedentes, gerando prejuízos a nível nacional e internacional.
A dependência da hiperconexão em crianças
Além disso, os dados mostram um número cada vez maior de crianças dependentes de smartphones e tablets, as quais chegam a entrar em colapso nervoso, quando ficam um período longo de tempo sem poder utilizá-los.
Como mostra a pesquisa da Universidade de Michigan Medicine (EUA), publicada na revista JAMA Pediatrics, que descobriu que a prática de acalmar crianças de 3 a 5 anos com smartphones ou tablets pode afetar a desregulamentação emocional até a fase adulta.
Juntamente com isso, vale ressaltar um fato que me intriga consideravelmente: o alto nível de inocência de crianças ao usar estas tecnologias.
Parece que muitos pais subestimam esse fato e não consideram o quão inocente é uma criança, acabando por reagir de maneira incorreta ao educá-las.
Uma criança pode demonstrar sinais indiretos de inocência, que para os adultos, podem ser interpretados como atitudes dementes, tais como: indiferença com situações de angústia, falta de medo de situações perigosas, ousadia de explorar aquilo que pode lhe causar danos físicos ou mentais e uma ausência de sentimentos positivos com pessoas ou lugares.
Necessidade de inovação contínua
Conhecer estes sinais é um fator crucial para o desenvolvimento de soluções que visam melhorar a maneira como estas tecnologias são criadas e utilizadas.
Olhando para estes dados, se percebe invariavelmente a necessidade de inovação sobre a inovação, uma expressão confusa para alguns, mas que pode ser explicada desta forma:
Criar novas soluções em produtos, apps e softwares existentes, capazes de diminuir os efeitos colaterais negativos das versões anteriores.
Portanto, a inovação destes sistemas é um caminho sem volta para os engenheiros e técnicos da próxima geração.
As oportunidades de inovação em sistemas com hiperconexão
Tudo, praticamente tudo que as pessoas fazem hoje, elas fazem por meio das tecnologias digitais equipadas com IoT (Internet of Things). É um sistema com uma hiperconexão cada vez mais inteligente e movido por operações matemáticas de lógica que entendem apenas 1 e 0.
Alguns não vão mais ao mercado, mas preferem fazer o seu rancho por meio de apps. Assim como outros não cozinham, mas preferem pedir comida por meio de aplicativos de fast food. Outros ainda, não conseguem viajar sem depender de um GPS, tem seus trabalhos totalmente baseados na nuvem.
E talvez você, assim como a maioria, não se preocupe com isso, mas considerando todos os dados que chegam diariamente, é válido dizer que é necessário saber o mínimo para criar soluções, caso estes sistemas entrem em falha.
Não espero que a ficção se torne realidade, mas entendo que estar preparado profissionalmente para estes cenários é importante, pois abrem portas para que muito seja feito nos campos da engenharia.
Existem diversas oportunidades de inovação, que engenheiros e técnicos da indústria 4.0 podem explorar, para a melhoria dos mecanismos de hiperconexão destes sistemas.
Arquiteturas de Segurança Baseadas em Zero Trust
A abordagem Zero Trust (Confiança Zero) é essencial para ambientes industriais com hiperconexão. Engenheiros são capazes de projetar sistemas onde nenhum dispositivo ou usuário é automaticamente confiável, sempre exigindo autenticação e monitoramento. Algumas inovações incluem:
- monitoramento contínuo com IA, para detectar anomalias de comportamento em sistemas de comunicação;
- autenticação multifator biométrica, para operadores industriais;
- micro segmentação de redes industriais, para evitar movimentações laterais de ataques cibernéticos.
Gêmeos Digitais para Simulação de Ciberataques
A tecnologia de Digital Twins (Gêmeos Digitais) é utilizada para prever vulnerabilidades antes que ataques ocorram. Engenheiros possuem o know-how para desenvolver modelos virtuais de redes e sistemas logísticos para testar cenários, como:
- simulação de ataques ransomware em sistemas industriais e grau do impacto;
- teste de resiliência em cadeias de suprimentos sob ataques coordenados;
- treinamento de IA, para identificar padrões de ameaças cibernéticas em tempo real.
Blockchain para Rastreabilidade e Proteção de Dados
A tecnologia Blockchain garante a integridade das comunicações entre dispositivos industriais, prevenindo adulterações de dados e estratégias de falsificação, portanto, engenheiros são responsáveis por criar:
- protocolos descentralizados de autenticação, para IoT industrial;
- sistemas de rastreamento seguros para logística, garantindo que dados de remessas não sejam manipulados;
- contratos inteligentes para executar processos logísticos automaticamente, sem intervenção humana, reduzindo riscos de fraudes.
IA para Segurança Preditiva e Resposta a Incidentes
A Inteligência Artificial está revolucionando a segurança da hiperconexão de sistemas, permitindo:
- análises preditivas de tráfego de rede, para identificar tentativas de invasão antes que ocorram;
- sistemas autônomos de resposta a incidentes, que isolam partes vulneráveis da infraestrutura ao detectar ameaças;
- detecção de fraudes em tempo real em sistemas de comunicação e logística.
Redes Industriais com Autocorreção e Redundância Inteligente
Com redes capazes de se auto ajustarem diante de falhas, sistemas hiperconectados aumentam a sua confiabilidade. Algumas inovações incluem:
- protocolos de comunicação dinâmicos, que redirecionam o tráfego automaticamente em caso de interrupções;
- sistemas distribuídos de backup e redundância, para evitar falhas em pontos únicos da rede;
- mecanismos de autocorreção baseados em Machine Learning, que reconfiguram automaticamente sistemas comprometidos.
Conclusão
A segurança dos sistemas hiperconectados não é apenas um desafio, mas uma oportunidade de inovação para engenheiros e técnicos da indústria. Soluções como Zero Trust, IA preditiva, Blockchain e Gêmeos Digitais são ferramentas estratégicas que elevam a confiabilidade e resiliência desses sistemas.
As empresas que investem nestas tecnologias não apenas evitam ameaças, mas também ganham vantagem competitiva na era da Indústria 4.0, sendo capazes de trazer mudanças positivas significativas para a sociedade e maior segurança diante de ameaças de outros países adversários.
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